4 de agosto de 2018

Agrião de Clara Pinto Correia

AGRIÃO
Clara Pinto Correia
Relógio d'Água, Novembro 1984
Romance
104 páginas
Sinopse
Novelas diversas dentro de uma História (ou diversas histórias numa só novela), a cavalo nos tempos do nosso tempo e nos múltiplos espaços que nos definem o lugar. O retrato de uma família pobre que vai migrando a conta gotas para a  grande cidade de Lisboa à procura de uma vida melhor mas que acaba a tentar sobreviver nas novas e emergentes periferias dos anos 70.


«E só ela sabia que não eram as pernas trémulas que ali a retinham era, mas nunca diria a ninguém, a irreprimível rejeição de todo aquele mundo que nunca fora o seu e também não queria saber dela para nada. Entendes tu isto, Agrião? (...) Não fosse eu ter-te aqui comigo e já se tinha quebrado há muito tempo este fio frágil que ainda me ata ao mundo com um nó que muito devagarinho, se vai desfazendo.» 


Agrião é o nome do cão da matriarca da família, Violante, encontrado junto aos pés de agriões no Pintado (Tomar) pouco antes da sua vinda para Lisboa para onde veio a custo morar com os filhos. Um companheiro que vai tornar a vida desta mulher desenraizada mais suportável e dar-lhe alguma alegria. Mas este não é um daqueles livros sobre animais especiais que são uma fonte de transformação dos seus donos ou que muito apreendem com eles, Agrião vai apenas dar o mote e pontuar o relato da saga familiar e da sua protetora entre o Pintado e Lisboa, o campo e a cidade.

Narciso, o primogénito da família chega a Lisboa à procura da bênção de uma terra prometida, da riqueza ansiada e depois dele segue-se quase toda a família. Chega a Santa Apolónia vinte e oito anos antes do nascimento do cão Agrião, o nosso elo de ligação e a novela vai nos sendo contada através de constantes revisitações ao passado que traçam o caminho de cada uma das personagens numa alternância constante entre o tempo presente e o passado que constroem a sua história. 

Margarida, a feiosa vem para Lisboa após a morte de Dália, a sua irmã mais nova e uma das maiores alegrias que a cidade lhe proporcionou foi aprender a ler. Violeta, a virgem que se guardou para um homem de Lisboa e que acaba por viver esse seu auspicioso projeto de vida em Camarate. Depois surgem os netos e a bisneta Maria Carla  (Pachacha) de feitio aguerrido e contestatário que não vai deixar ninguém indiferente.

Mas a cidade nunca foi para todos eles o elo dourado que esperavam nem lhes concretizou as quimeras desejadas e acabam por ser arrastados a viver as suas ilusões na periferia. Todas as personagens são enquadradas  e situadas em locais concretos e reais que contextualizam as suas histórias (curiosamente alguns dos locais da minha infância e adolescência, raramente referidos em livros). 

Uns vivem numa casa construída pelos sogros em Camarate, outros passam por um quarto na Ameixoeira e acabam num prédio social nos Olivais Sul enquanto a geração seguinte já vai mais fora da cidade conseguindo adquirir o "Chalet Silva" em S. Domingos de Rana. Estes espaços vão defini-los e definir o seu futuro ao mesmo tempo que nos dão a conhecer um pouco da nova Lisboa que ia emergindo no início dos anos 70.

Em comum todos as mulheres da família sofrem grandes abnegações, desilusões e padecimentos com um sorriso escondido, mas como dizia a mãe "quem se sujeita a amar sujeita-se a padecer", revelando o comportamento sexista ainda muito presente no estilo de vida português. Através de uma observação bem-humorada, o livro acaba por fazer um retrato do nosso país entre o campo e a cidade na década de 70, sempre cheio de referências. 

Um romance com uma escrita límpida, muito real e cru a lembrar Os Filhos da Mãe  de Rita Ferro no seu realismo urbano e no retrato familiar que é feito embora de diferentes características.


Clara Pinto Correia é uma escritora, ficcionista, cronista para além de bióloga e investigadora cientifica. Este foi o seu romance de estreia, publicado em 1984 com 24 anos e que recebe no ano seguinte o prémio da revista Mulheres (1978-1989). O seu primeiro sucesso editorial dá-se com "Adeus Princesa" (1985) transposto para o cinema em 1982 por Jorge Paixão da Costa. Destacam-se na sua obra, "E se tivesse a amabilidade de me dizer porquê?" (1986) em co-autoria com Mário de Carvalho, "Ponto Pé de Flor" (1990) e "Mais que Perfeito" (1997). Também escreveu vários livros infantis assim como de divulgação científica relacionados com área da fertilidade. 

O ano passado regressou à escrita com "Todos os Caminhos", o primeiro da trilogia A Tirania da Distância.

** (Razoável)

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